26.8.13

Não era para dar certo





Ele me pegou em casa a contragosto. Esbravejando. Xingando. Eu ri. Achei graça. Mudei de estação na rádio. O teu amor é uma mentira, que a minha vaidade quer. Tava tocando isso. E eu nem aí.

No banco de trás um casaquinho verde musgo tamanho PP. De alguma garota da noite anterior. Ou da semana passada. Ele é cheio de garotas e pela primeira vez na vida sorri ao pensar isso. Tá certo ele. Bonitão, rico, engraçado e safado. Que mulher não se apaixona por ele? Eu. Eu não me apaixono mais por ele. O que significa que agora podemos nos relacionar. O que significa que agora, posso ficar tranquilamente ao lado dele sem odiar meu cabelo e minha bunda e minha loucura.
E posso vê-lo literalmente duas vezes ao ano, sem achar que duas vezes na semana são duas vezes ao ano. E posso vê-lo ir embora, sem me desmanchar ou querer abraçar meu porteiro e chorar. Consigo até dar tchauzinho do portão. Tchau, vou comer um pedaço de torta de nozes e assoviar. Tchau, querido mais um ser humano do planeta.
Passamos no CEASA pra comprar caixotes podres de feira. Última moda em decoração de bibliotecas. Ele briga comigo, que pobre que você é, Tati. Mau gosto da porra. E diz que eu não sei tratar gente simples, que chego falando difícil de propósito. Eu não fiz nada disso, mas tô nem aí de me explicar ou convencê-lo do contrário. Morro de rir.
Se eu o amasse, sentaria no chão e começaria a chorar. Por favor! Goste de mim! Por favor! Como assim eu não sei tratar gente simples? Eu ia ficar com isso na cabeça um mês. Ia aumentar a terapia em três vezes por semana. Ia fazer um curso na Casa do Saber de como falar com feirantes em final de expediente. Ia querer morrer. Mas apenas ri e continuei na minha missão de tomar garapa.
Se eu o amasse, ia morrer de medo de passar mal de dor de barriga por causa da garapa. Ou dele me achar brega por causa da garapa. Mas como não tô nem aí, nem lembro que tenho barriga. E o feirante tentando entender o que era fashion. E eu arrotando internamente, sabor garapa. Depois fomos à Bienal. Eu fiquei com nojo de colocar as luvinhas para ver as fotos. Porque o mundo todo usou aquelas luvinhas não descartáveis. E ele me olhando com preguiça. Ai, Tati, como você é fresca. E eu assumi minha frescura e o larguei falando sozinho.
Se eu estivesse apaixonada, ia bolar milhares de motivos mirabolantes para lhe explicar meus motivos em não querer usar a luvinha. Ia entrar na lenga lenga insuportável de pedir desculpas por ser como sou, como se isso tivesse explicação ou desculpas ou salvação. Teria morrido, ou melhor, o matado, porque não suporto olhares de preguiça e reprovação. Teria perguntando, ainda que inconscientemente, o que fazer, naquele fim de tarde, para ser absolutamente perfeita. Me odiando e odiando ele por me sentir assim, uma imbecil. Mas não, apenas fui ver as fotos. Ele me achar fresca e uma barrinha de cereal sabor artificial de banana tem o mesmo poder sobre mim. Nenhum.
No final do dia fomos até a casa de uns amigos dele. E eu lá, pela primeira vez na vida, gostando dos amigos dele, tratando todo mundo bem. Rindo pra caramba daquele monte de besteira. Ficando amiga das garotas de 20 anos com sombra roxa nos olhos. A galera que vai em peso para “a praia do momento para quem quer pertencer a algo que todos querem pertencer mas não sabem bem o que é”. E ele me olhando de longe. Ah, se ela tivesse agido assim. Tão normal, tão simpática, tão leve, tão boa companhia. Ao invés daqueles surtos de ciúme, daquelas cobranças por mais intensidade, daquela necessidade em acordar de madrugada com medo da vida, daquela arrogância pra cima de mim e dos meus amigos que não sabiam conversar de livros, filmes, músicas e dor na alma. Se ela tivesse confiado assim no taco dela. E sorrido mais. Se ela tivesse me amado sem amar. Ou como amam as pessoas que conseguem se relacionar. E eu lá, sendo adorada por ele, justamente porque não o adoro mais. Ô vidinha filha da puta.
No final do dia, a frase que eu temia. “Quer fazer alguma coisa amanhã?”. Eu sabia. Toda mulher feliz e equilibrada deixa saudades. Mas eu não queria.
Eu só queria amar alguém, com toda a tristeza e desequilíbrio que vem junto com isso, e continuar deixando saudades.
Quando dizem que namoro ou casamento ou qualquer relacionamento mais sério não pode dar certo, eu discordo. O que definitivamente não dá certo, ao menos para mim, é se apaixonar. 
Agora, que graça tem fazer qualquer coisa da vida sem estar apaixonada? Ô vidinha filha da puta.

(Tati Bernardi)



23.8.13

Eu ainda me importo




Eu vivia repetindo: I don't care, I don't care, I DON'T CARE. Ate você me ligar bêbado numa madrugada qualquer dizendo meio dúzia de palavras bonitas que eu voltei a me importar. E voltei a me importar, odiando o fato de que você continua sendo o erro em pessoa que eu insisto em transformar em acerto em pessoa, mas você não tem jeito, não é mesmo? 18... Quer dizer, agora são 19 né?! 19 anos sendo isso tudo aí que você ama ser, porque justamente agora você iria tomar um rumo diferente? E me fere o peito entender e aceitar tudo isso. 

Você sabe o quanto esses seus momentos de gentleman não me fazem bem, porque aí eu crio fantasias, invento historias e pouco tempo depois já estou imaginando como será nosso apartamento lá em SP; minha estante de livros, minhas panelas coloridas e meu esmalte preto que fariam par com seus games, suas camisas xadrez e seu violão. Tudo assim 100% nosso. 

Mas aí você se recupera do porre com água e remédios e esquece da noite anterior, de quem aguentou suas lamentações, sua crise existencial, quem saiu de casa de madrugada só porque você estava bêbado demais para lembrar onde tinha largado o carro - mas cara, você deveria estar bêbado demais pra lembrar do meu número!-. Mas você tem esse olhar que invade e desestabiliza minha estrutura e faz com que eu não consiga ficar chateada com você - não na mesma hora -. 

Enquanto eu dirijo e tento não pensar que mesmo bêbado e desgrenhado você continua o cara mais lindo do mundo, você ao meu lado, no banco do carona, começa a escorregar sua mão pela minha coxa e continua, já que eu não lhe impeço, só que dessa vez você passa a mão pela minha nuca fazendo com que eu me arrepie toda, você começa a me beijar na metade do meu braço e vai subindo, ate que quando chega no pescoço você da risada.


- Que merda!
- O que foi?
- To preso no sinto!

Ele tentou destravar o sinto mas não teve sucesso algum. Ele voltou a se acomodar no banco do carona visivelmente frustrado.

- Você bem que poderia me ajudar, né?
- Estou dirigindo!
- Sem graça!

Fui obrigada a rir. Ainda bem que ele não conseguiu tirar o sinto! Segurança em primeiro lugar!

21.8.13

Um sussurro perdido entre os gritos das capitais




Eu carrego uma metrópole silenciosa dentro do meu peito. E ela pulsa frenética e calma, como um céu azul sem nuvens anunciando tempestade. Meu bem, eu sinto meus trópicos arranhado artérias, as linhas do horizonte cortando os meus pontos de vista, os arranha-céus impedindo-me de ouvir os pássaros que cantam dentro de mim… É possível ver constelações no teto do quarto, e mármore encobrindo Luas? Pois sou incerta demais para caber em uma só realidade, e não me enquadro em teu código de barras por ser sempre de outro ângulo. Afinal, mesmo que eu tente parecer firme, sempre fui uma certeza longe demais dos meridianos e ao sul de lugar nenhum - feito estrela que se gruda no céu por medo de cair, mas ainda assim continua a desaparecer aos poucos entre cidades ofuscantes. Me tornei inaudível e rouca como acordes desafinados de quem não possui um violão: um sussurro perdido entre os gritos das capitais. O lirismo de uma poesia nunca escrita: existente e ao mesmo tempo irreal. Estive pensando nas flores que nascem no asfalto e, depois de tanto atropeladas, se tornam concretas e frias. Nos gráficos de crescente atividade sendo confundidas com escadas para o céu, e nos refletores da quadra da escola escondendo a luz sem sombra dos teus olhos. Tudo ressoa como inexato e bonito, mas fazem minhas fortalezas tremerem e qualquer indício de sanidade ser engolido por seus abismos meus. Me faz querer fugir pra qualquer lugar onde a eternidade dure mais que a vida. Onde os paradoxos sejam mais oníricos e menos cruéis. Eu quase não consigo dormir com as estrelas pingando sob meu rosto, dizendo que o céu não é vazio se tivermos os olhos cheios de sonhos. E é tão difícil compreende-las que eu me reviro ao tentar, enquanto outras milhares de acusações e julgamentos premeditados ecoam aqui. A cidade que existe dentro do meu ser é pequena e interminável, silenciosa e cheia de ruídos. O mundo é findo demais pra caber tantas loucuras, meu bem. E eu não caibo nele como você.
— Unirversos   (via corporizar)